As declarações dos ex-líderes da Aeronáutica e do Exército sobre a apresentação, por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de um esboço golpista visando reverter o resultado das eleições presidenciais, não constituem evidência suficiente para uma condenação direta de Bolsonaro. No entanto, essas alegações podem contribuir para responsabilizá-lo se forem analisadas dentro de um contexto mais amplo. Esse é o parecer de especialistas em direito criminal consultados pelo GLOBO, os quais destacam desde os ataques ao sistema eleitoral até os eventos golpistas de 8 de janeiro. De acordo com essa interpretação, no entanto, não existem elementos que justifiquem uma prisão preventiva.
Durante seu depoimento à Polícia Federal (PF), Carlos de Almeida Baptista Junior e Marco Antonio Freire Gomes afirmaram que Bolsonaro sugeriu a possibilidade de utilizar instrumentos jurídicos para modificar o resultado das eleições, como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), estado de sítio e estado de Defesa.
Davi Tangerino, professor da UERJ, argumenta que o fato de Bolsonaro ter proposto o uso de instrumentos previstos na Constituição não implica necessariamente que sua intenção fosse legítima.
— Nada impede que um golpe se disfarce com uma aparência de legalidade. Durante a ditadura militar, tínhamos os atos institucionais. Hoje, poderiam existir outros disfarces. O crucial não é o nome, mas sim o conteúdo.
Tanto Baptista Junior quanto Freire Gomes informaram à PF que discordaram da proposta. O ex-comandante da Aeronáutica ainda mencionou que considerou a posição de Freire Gomes "determinante" para evitar a concretização do golpe. No entanto, o fato de o plano não ter sido realizado não seria suficiente para eximir a responsabilidade.
— Os depoimentos colocam Bolsonaro em uma posição muito próxima do cerne dessa consideração sobre o golpe. E mesmo que o esboço não tenha sido aplicado, houve desdobramentos subsequentes que são de certa forma consequências dessas considerações que culminaram no 8 de janeiro — destaca o advogado Conrado Gontijo, professor da PUC-SP. — O fato de o esboço não ter sido adotado não é determinante no caso, pois deve ser analisado em uma perspectiva mais ampla.
Essa análise é reiterada por Luciano Feldens, sócio do Feldens Advogados e professor da PUC-RS, que ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a ocorrência de crimes em 8 de janeiro, tornando a instigação um fator adicional:
— Sem afirmar que Bolsonaro cometeu um crime, seria plausível chegar a essa conclusão se fosse comprovado que ele instigou ou auxiliou na prática dos crimes de 8 de janeiro, cuja existência já foi reconhecida pelo Supremo. Quem instiga ou auxilia um crime está sujeito às mesmas penas de quem o comete. Isso é semelhante a encomendar um homicídio.
Entretanto, não há elementos que justifiquem uma eventual prisão preventiva de Bolsonaro, uma vez que os eventos investigados ocorreram há mais de um ano.
— A prisão preventiva requer a ocorrência de atos atuais, representando risco ao desenvolvimento do processo ou à produção de provas. Apenas com isso, não vejo elementos que justifiquem a imposição de uma prisão provisória — declara Conrado Gontijo.
Davi Tangerino compartilha da mesma opinião:
— A prisão preventiva exige fatos contemporâneos, sejam eles criminosos ou destinados a impedir ou dificultar a investigação. Até o momento, não vimos nada desse tipo.
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